O lado disneylândia de Campos do Jordão

Detalhe de um edifício em estilo de montanha, com muitas plantas decorando sua fachada.

Bem-vindos à Suíça Brasileira!

Todo início de inverno no Brasil, é batata! Vem o Jornal Hoje com mais uma inédita e imprescindível matéria sobre a migração sazonal das pessoas do litoral para Campos do Jordão, a fim de curtirem um friozinho.

Eles devem ter estoques de gravação desse fato, rolos e mais rolos de filme. E aí, cada ano, pegam um pedacinho para exibir. Está faltando notícia mesmo. Então, por que não aproveitar esse acontecimento e replicá-lo ao infinito?

Ainda falta para o inverno chegar ao Brasil mas, se o modus operandi da televisão continua o mesmo, certamente, quando chegar a hora, alguns minutos de transmissão de algum telejornal serão dedicados a esse fenômeno. Na verdade, fenômeno é que isso seja notícia todos os anos e não que as pessoas viajem a Campos do Jordão.

Fenômeno é também que as pessoas teimem em usar essa expressão, “curtir um friozinho”. Quem curte um friozinho, gente? Frio a gente suporta. Assim como o calor. Eu digo que gosto mesmo é de uma temperatura moderada. Serei a única?

Eu, com roupa de verão, segurndo minha cachorrinha no colo, na Vila Capivari. Vêem-se casinhas comercias construídas ao estilo de montanha.

Curtindo um calorzinho. Era inverno mas, durante o dia, fazia muito calor.

Bom, ano passado, chegou a minha grande oportunidade de conhecer essa Suíça brasileira: Campos do Jordão. Era inverno, precisamente. Final de agosto. Ao entrar na cidade, logo nota-se a decoração e o urbanismo diferentes, bem ao estilo de montanha. Casas com telhados bicudos e de madeira, canteiros com flores. Uma gracinha!

Embora não seja comum a presença da neve por ali, basicamente todas as casas e edifícios têm aquele acabamento de telhado anguloso, cuja finalidade é evitar o acúmulo de neve, fazendo com que esta escorregue pelas inclinações. Mas cadê a bendita? “Em algum momento do inverno deve nevar”, pensei. Mas, pelo que li, a região não costuma ter nevascas. “Ah, então deve ter sido algum suíço que foi morar no Brasil, gostou do clima de Campos do Jordão, construiu sua casa no estilo de montanha para se sentir mais à vontade, constituiu família, se reproduziu e a cidade foi se caracterizando de acordo com suas raízes.” Mas uma vez, não. Não tem nada de suíço nessa história.

Casas comerciais construídas no estilo de montanha.

Essa arvorezinha estava em “stand by” no inverno. Depois, na primavera, ela se encheria de folhas.

Os primeiros habitantes foram povos indígenas, como não deveria ser surpresa nenhuma para ninguém. A partir do séc. XVI, desbravadores de origem portuguesa começaram a invadir a região. A família de um deles vendeu parte das terras para Manuel Rodrigues do Jordão. No séc. XIX, essas terras do Jordão foram loteadas e vendidas. Um senhor chamado Mateus da Costa Pinto comprou alguns lotes em 29 de abril de 1874, data que ficou sendo a de fundação do município de Campos do Jordão. Esse “Jordão” vem do sobrenome do Sr. Manuel que citei acima. Ou seja, Suíça passou longe.

O que aconteceu ali foi que, devido a cidade ter um clima mais frio do que a média do país, passou a ser chamada de “Suíça brasileira”, como forma de marketing mesmo. A partir do final do séc. XIX, a região ganhou fama de ser um bom lugar para o tratamento de doenças pulmonares, graças ao clima, ao ambiente e aos seus 1628 metros de altitude. Nas décadas de 1920 e 1930, hospitais foram construídos ali. Posteriormente, Campos do Jordão passou a investir em turismo.

E é aí que entra a temática suíça!

Uma grande edificação, provavelmente um hotel, bem ao estilo de casa de montanha.

Um pouco exagerado, diria.

Depois de muita análise de mercado, a equipe do empresário Lélio Gomes decidiu construir o tão conhecido Boulevard Geneve bem ao estilo enxaimel, que consiste na construção das casas a partir do esqueleto, feito com vigas de madeira. Aquelas casinhas bem típicas da Alemanha, sabem? O Boulevard Geneve foi idealizado para parecer uma vila, como se pessoas comuns tivessem construído suas próprias casas daquela forma. Mas é, na verdade, um shopping a céu aberto. E foi realizado por uma construtora.

O Boulevard passou, então, a ser referência para outras construções em Campos do Jordão. Outras casas e edifícios foram sendo erguidos com a mesma técnica enxaimel, além de estilos como o suíço, o alpino (normalmente chalés) e o normando (que têm telhados cônicos). Notei que, mesmo em casas mais humildes, como alguns barracos que vi na entrada da cidade, o telhado era bicudo nessa moda de casas de montanha.

Muito agradável passear por ali. Adorei! Achei tudo muito bem cuidado. Mas o visual da cidade é um pouco sem personalidade, né? Chega a ser engraçado! E não acho que tem que ser diferente não. Se a História é essa, para mim, acho ótimo. Eu só queria conhecer a verdade. E eu fui saber de tudo isso porque fui buscar no Google. Enquanto estava lá, eu procurava monumentos ou placas ou alguma fonte de informação sobre por que a cidade tinha aquele tipo de arquitetura, de onde vinha aquela influência. Mas não achei.

E é por isso que saí de lá com a sensação de que Campos do Jordão é um pequeno parque temático.

Duas fotos juntas: uma é de um boneco-de-neve como decoração da cidade e a outra mostra mais uma casa ao estilo de montanha. Ta,bém podem ser vistas araucárias, árvores típicas da região.

Boneco de neve ou de fibra de vidro?

Uma das ruas principais, repleta de casinhas comerciais construídas ao estilo de montanha.

Todas as cidades poderiam ser assim. Quero dizer bem cuidadas, não necessariamente fakes.

Saibam mais:

. História de Campos do Jordão

. Técnica de construção enxaimel

. Sobre o Boulevard Geneve

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