O lado transformista de Hatshepsut

Dentre tantos templos do Antigo Egito, o que eu mais gostei foi o templo em homenagem à Hatshepsut. Não foi o primeiro templo que visitei. Também não foi o segundo. Tá, foi o terceiro! Eu supostamente deveria falar primeiro dos Templos de Karnak e de Lúxor, mas estou com mais vontade de contar sobre o de Hatshepsut.

Eu na frente do templo e as formações rochosas.

Um belo entorno!

Nós, do grupo da excursão, o visitamos na mesma ocasião em que conhecemos os que citei ali acima. Foi um dia bastante puxado e muito proveitoso. Acordamos às 5h, tomamos café-da-manhã no navio, atracado em Lúxor. Visitamos os templos de Karnak e Lúxor. E nos dirigimos a Deir El Bahari, margem direita do Nilo, à entrada do Vale dos Reis, onde se situa o belíssimo templo funerário.

Aliás, é bem interessante isso. Os antigos egípcios viviam o presente de olho no futuro incerto (que, para eles, pelo visto, era a mais pura certeza) da morte. Ok, não me expressei bem. A morte sim, é certa para todos. Ou pelo menos eu acho que todo mundo sabe que vai morrer. Oh, não? Desculpe se decepcionei alguém. Bom, mas para eles, a morte não só era um fato como uma espécie de continuação da vida que tinham. Com direito a tesouros, roupas e frufrus. E ali mesmo, na Terra. Ou melhor, aqui.

O templo em questão era, pois, um templo funerário, ou seja, foi construído para adoração de sua idealizadora e culto à monarca depois de sua morte. E foi construído por ela, uma das únicas faraós mulheres que o Egito viu. Melhor dizendo, pelos escravos dela, seguindo o projeto do arquiteto Senenmut. Eu não sei. Eu teria um desgosto só de pensar em construir ou planejar algo para depois da minha morte.

Isso me fez lembrar as famosas listas “Dez livros para você ler antes de morrer”, “Cem lugares que você deve conhecer antes de morrer”… Sei lá, né? Para mim não faz sentido. Ir à Disneylandia depois de morrer é mais barato, se você for em espírito. É de graça, né! Ah, quanta bobagem…

Vista do Nilo, do alto do templo.

Vista do alto de um dos terraços do Templo.

Pois então. Voltando à Hatshepsut, ela era filha de Tutmosis I, um faraó. Quando este morreu, Hatshepsut era a única sucessora direta, pois seus irmãos já estavam mortos. Mas a óbvia passagem do trono a ela não foi o que aconteceu, visto que, de repente, surgiu um irmão de uma esposa secundária do seu pai. Esse rapaz, depois chamado de Tutmosis II, então, herdou o poder e Hatshepsut foi obrigada a se casar com ele. Ou seja, praticamente um chute no saco dela, se ela tivesse um.

Durante o reinado de Tutmosis II, Hatshepsut se cercou de servidores fieis e aumentou o seu poder gradativamente. Mas, claro, sempre sendo somente a esposa do faraó.

Ocorre que o Tutmosis II faleceu bem jovem. E os filhos meninos que ele tinha, com esposas secundárias, eram muito pequenos para assumirem qualquer coisa, quem dirá o poder. Hatshepsut também tinha uma filha com o faraó mas, mais uma vez, uma menina genuinamente na linha de sucessão era jogada para escanteio, por força de seus opositores. Restou-lhe a Hatshepsut assumir a regência, enquanto o Tumosis III não atingia a maioridade. Porém não pensem que foi simples. Não. Servidores do alto escalão, oponentes à Hatshepsut, tentaram controlar a sucessão, mais uma vez. Mas, acho que, por ela ter feito suas bases enquanto era esposa do faraó, com aliados, conseguiu subir ao poder.

Daí foi varrer a oposição para um lado, nomear pessoas de seu gosto e confiança para cargos importantes e pimba! Autoproclamou-se faraó. E não me perguntem se uso a palavra “faraó” por falta do seu correspondente feminino. Não existe mesmo, que eu saiba. Mas ela pirou o cabeção nessa ideia: usava até barba postiça.

A barba postiça, porém, é aquela barba típica das imagens que vemos de faraós. Ou seja, os faraós homens também a usavam. Costumavam raspar a barba natural e a cabeça, ou melhor, seus escravos faziam essas mordomias para eles. No caso de Hatshepsut, ao ser mulher, já não possuía barba natural.

Imagem de uma série de estátuas da faraó.

Colunata do Nascimento e estátuas de Hatshepsut. Aqui pode-se apreciar a representação em pedra das barbas postiças.

Mas nem o céu era o limite! Tempos depois, ela se proclamou filha primogênita de ninguém mais, ninguém menos que o deus Amón. E, para isso, provavelmente rolou algum benefício para os sacerdotes, que corroboraram a sua condição divina. E seu reinado durou quase 22 anos, de 1474 a 1858 aC.

O caso é que eu adorei o templo e o lugar onde foi construído. Para todo lado que se olhava, só se via a cor bege. Mas a beleza natural das rochas era tanta, que qualquer cor que fosse introduzida ali estragaria a belíssima paisagem que via, tão imponente e rica em texturas. Provavelmente, quando foi construído, o templo em si tinha cores. Mas com o tempo, as intempéries e o calor esturricante do local, estas foram desaparecendo. Não importa, para mim. Gostei mesmo como estava. Bege, bege, bege. Texturas. E contraste com o céu perfeitamente azul.

Linhas retas e simples contrastam com as texturas das rochas do penhasco.

Linhas retas e simples contrastam com as texturas das rochas da escarpa. E o bege contrasta com o azul do céu.

Além de fatores naturais, o que também alterou o templo foram os reinados de Ramsés II e seus sucessores. Bem mais adiante, cristãos também utilizaram o lugar, daí o nome pelo qual é conhecido, Der El Bahari, que significa, em árabe, “Mosteiro do Norte”. O templo é composto de três terraços, em três andares, ligados por sistema de rampas que, na Antiguidade, estavam rodeadas por jardins que exibiam plantas como mirra. A parte que corresponde ao túmulo está escavada na rocha. É um belíssimo exemplo de harmonia com o entorno natural. Sou grata por haver podido ir até lá e extasiar-me.

 

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