
Rio que se confunde com o céu. Uma das muitas faces do Nilo.
Durante quatro dias o Nilo foi a minha casa. Em abril de 2014, algo que eu, antigamente, apenas imaginava aconteceu. Eu fazia, na ocasião, um cruzeiro por esse rio tão conhecido.
“Qual é o maior rio do mundo?” Perguntinha que ouvi com certa frequência no colégio, em programas de televisão e em reuniões familiares. Minha família é esquisita.
A resposta sempre envolvia o Nilo ou o Amazonas ou os dois. Eu me lembro de que também se falava sobre os quesitos extensão e volume de água. De lá para cá, muita coisa mudou. Parâmetros, nascentes… E eu não sei, afinal, a que conclusão se chegou. Mas não importa qual é o maior. Pelo menos, para mim, não.

Um cantinho perto da região da Núbia.
Naquele tempo, pensou a Adriana com seus botões, era bem provável que um dia eu conhecesse o Rio Amazonas. Afinal, está no Brasil. O que não queria dizer que estivesse perto da minha casa. Eu era pequena quando pensei isso. Quis o destino que eu navegasse antes no Nilo, já que a distância entre mim e o Egito subitamente diminuiu, quando vim morar em Madri. A parte que conheci do Nilo foi a egípcia, em uma excursão que fiz por esse país. Para ser mais exata, eu passeei pelo trecho Lúxor – Assuã.
A ideia do cruzeiro era conhecer o rio (ou parte dele) e ir parando em pontos de interesse histórico e cultural. No primeiro dia, quando cheguei à embarcação, já era bem tarde. O navio permaneceu atracado durante a noite e, de manhã bem cedinho, saímos para conhecer os templos de Karnak e Lúxor, só retornando às quatro da tarde. E aí, então, seguimos caminho.
Durante todo o percurso do cruzeiro, as margens exibiram cores diferentes. Do deserto bege a paisagens verdes de muita vida. Em certos segmentos, chamava muito a atenção o ir e vir de trens que levavam, provavelmente, mercadorias. E, em algumas ocasiões, o foco do entorno do rio era o som dos cânticos muçulmanos que eram emitidos dos minaretes, como são chamadas as torres das mesquitas. Tais melodias convocavam os fiéis à oração, como é característico dessa religião, o Islã.

Paisagem árida e, ainda assim, bela.

Evito o logotipo da Coca-Cola em fotos, normalmente. Mas, aqui, tem um significado que julguei relevante.
Ir ao Egito é conhecer o antigo e o atual, quase que simultaneamente. Os egípcios de Hórus e os de Allah. As ruínas dos templos e as casas semi-construídas onde vivem famílias em situação de bastante pobreza. Em todos os sítios arqueológicos que visitei, havia quantidade considerável de vendedores ambulantes, esperançosos por conseguir vender lembrancinhas aos turistas que saíam dos ônibus.
O turismo é uma das principais fontes de receita na economia do Egito e, ultimamente, tem sido bastante prejudicado devido ao clima de instabilidade e insegurança. Já faz muito tempo que a situação econômica e social dos egípcios está longe do aceitável. E, quando estive lá, algumas vezes tive a sensação de que éramos os únicos turistas.
Já havia se tornado normal ser repentinamente rodeada de pessoas que ofereciam de tudo. Perspicazes, ficavam atentos às falas dos visitantes para descobrirem as suas nacionalidades e, a partir daí, começar a abordagem no idioma conveniente. Sempre faziam alguma brincadeirinha, gritando nomes próprios comuns do lugar de origem dos viajantes. Como eu estava em um grupo de espanhóis, todas as mulheres, para eles, eram “Mari Carmen”.

Esta só pode ter uma legenda: A beleza dourada do deserto sobre o Nilo.
“Ey, Mari Carmen! Agobios no”, diziam os camelôs, tentando tranquilizar as espanholas. Sim, muito provavelmente, em algum passado, alguém reclamou de se sentir sufocado — agobiado, em Espanhol — pelas incisivas ofertas de compras.
O guia do grupo, também egípcio, recomendava sempre que não se devia dar atenção aos ambulantes, se não íamos, de fato, comprar alguma coisa deles. Caso contrário, não nos largariam mais. E, se alguém tivesse interesse em comprar algo, que o fizesse na saída, já que é comum a pechincha por lá, ou seja, uma simples compra poderia durar um pouco mais do que o esperado.

O que eu chamo de foto polifásica.
Eu passava dizendo Shukran para todo mundo. Como não gosto de ignorar ninguém, dizer “obrigada” em árabe me parecia a melhor solução da Mari Carmen brazuca aqui.
Havia, porém, uma colega de excursão, espanhola, que não se aguentava. Ela não só não ignorava os vendedores, como também se interessava pelo produto, fazia perguntas, conversava.
A presença de vendedores ambulantes era tão marcante que, para minha surpresa, até mesmo no rio eles estavam trabalhando. E, quando digo no rio, me refiro às águas, não às margens.
Estava eu, dentro do navio em movimento, quando, de repente, escuto uma conversa de gritos. E um dos interlocutores era uma mulher espanhola e estava também embarcada. A outra pessoa era um homem e era egípcio. Isto foi o que concluí através do sentido da audição.
Pois bem, me dirijo a uma das janelas e vejo que o homem egípcio que eu estava escutando era um vendedor. Sim! E estava num barquinho tipo lancha, cheio de tecidos e fazendo negócio com ninguém mais, ninguém menos, que uma das Mari Carmens. E era justamente a que mencionei acima.
Era um tal de grito para um lado, grito para o outro. Lançamento de tecidos ao navio, lançamento de dinheiro ao barquinho. A versão fluvial dos vendedores de água e biscoitos da Leopoldina, quando há engarrafamento. O passatempo da nossa viagem.

Agora, tons terrosos e relativa diversidade de vegetação.
Essa moça, afinal, se tornou alguém mais do que uma Mari Carmen qualquer. Os vendedores sabiam como ela se chamava. Tão comunicativa e simpática era a senhora que, era possível ouvir o seu nome — que não era Mari Carmen — ecoando pelo Nilo.

Águas plácidas dão ótimos espelhos.

Dá para notar que me diverti muito fotografando. Aqui usei um gracejo da máquina fotográfica.
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